O que são e onde vivem os Smart Contracts - Universo das Leis
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O que são e onde vivem os Smart Contracts

O que são e onde vivem os Smart Contracts

A maioria das pessoas pode não perceber imediatamente, mas sua vida está cercada de contratos (ajuste de vontade entre duas partes): de locação do imóvel onde vive ou do escritório onde trabalha, um contrato de prestação de serviços educacionais com a escola de seus filhos, de transporte com a empresa de ônibus, de emprego, com a empresa onde trabalha ou com a pessoa que cuida de sua casa, compra e venda com o supermercado, etc.

De modo geral, os contratos que celebramos no dia a dia são orais – normalmente os mais simples e de rápida execução – ou escritos – quando envolvem maior valor ou uma relação contínua. Todas essas relações contratuais são embasadas por uma grande quantidade de normas jurídicas (apenas no Código Civil existem mais de 433 artigos sobre contratos) e decisões judiciais, além do costume.

Ou seja, quando celebramos um contrato, é possível saber o que esperar, com quem estamos contratando e, por fim, quem vai resolver a disputa caso haja algum problema. Por exemplo, se você tem uma casa alugada e o inquilino não paga, você sabe que provavelmente terá que propor uma ação de despejo. O contrato de locação que foi assinado e as regras do Código de Processo Civil vão determinar como e onde a ação será proposta.

Mas o mundo está mudando. Cada vez mais essa realidade palpável e familiar com que estamos acostumados está se transferindo para o mundo digital e diversas certezas vão desaparecendo. E uma tendência muito forte é a digitalização e despersonalização das relações contratuais.

A ideia de contratos inteligentes (smart contracts) não é nova. Em um artigo de 1997 chamado Formalizing and Securing Relationships on Public Networks, o programador e criptógrafo Nick Szabo discutiu mais detalhadamente uma ideia que já tinha sido mencionada em outros trabalhos: que a tecnologia permitiria a celebração de contratos auto executáveis, reduzindo o trabalho humano em diversas etapas da contratação (negociação, performance, etc). As diversas possibilidades contratuais (pagamento do valor, não pagamento, atraso, etc) seriam previstas diretamente no hardware ou software que rodasse o contrato. O papel e redação de cláusulas seria, de certa forma, substituído pelo código da programação.

Para explicar o conceito, Szabo cita como um ancestral dos smart contracts aquelas máquinas (vending machines) em que basta colocar uma moeda ou nota para retirar um pacote de salgadinho ou lata de refrigerante. A máquina recebe uma informação do usuário – a moeda e a indicação do produto –, processa essa informação, guarda o dinheiro recebido, calcula o troco, separa as moedas, libera uma unidade do produto solicitado e entrega tudo para o comprador.

Um contrato inteligente expandiria este conceito para o ambiente digital. O exemplo, então, é o de financiamento de um carro. Um contrato poderia ser programado para que o contrato pudesse identificar automaticamente que o pagamento não foi recebido e impedisse a utilização do carro pelo comprador, liberando-o apenas ao representante do financiador. Por outro lado, assim que o último pagamento fosse depositado na conta do financiador, o contrato já daria quitação e liberaria qualquer garantia sobre o veículo, informando inclusive as autoridades competentes. Para isso, bastaria que o contrato recebesse informações da conta bancária do financiador, sistema do carro e do governo.

Outro exemplo: você pesquisa em um site ou aplicativo e aluga um apartamento para passar um final de semana na praia. Faz o pagamento com cartão de crédito e recebe um QR code no seu celular. Uma fechadura inteligente lê o código no seu celular, libera o acesso ao apartamento de sexta-feira de manhã até domingo à noite. Na segunda-feira, a fechadura já não abre mais. Se você não desocupar o imóvel no prazo, a diária adicional e a multa são cobradas automaticamente do seu cartão de crédito.

Antes, você mantinha uma relação com o proprietário que anunciava o apartamento para veraneio ou com uma imobiliária, discutia as condições, fechava o contrato, ia buscar e devolver as chaves. Agora, o processo todo pode ser feito remotamente pelo seu celular sem que você saiba quem é o proprietário, de onde é o site e onde todos os comandos foram processados.

Essas mudanças vão trazer uma série de novas questões jurídicas. As partes do contrato não precisam necessariamente estar identificadas. O local de formação do contrato é cada vez mais incerto e até impossível de identificar. O intermediário (site/aplicativo) pode não estar no Brasil, então onde será proposta uma ação? E se os termos do serviço previrem a aplicação de uma lei estrangeira?

Ainda que não sejam algo extremamente difundido, o desenvolvimento de tecnologias como a internet das coisas, o acesso cada vez mais difundido à rede mundial de computadores, sistemas desenhados especificamente para rodar smart contracts em blockchain, como o Ethereum, certamente acelerarão esse processo.

Victor Fernandes
victor@universodasleis.com

Victor Fernandes – Viciado em música, cinema e lutas, não necessariamente nessa ordem. Advogado nas horas vagas. Mestre pela FGV/SP e LL.M. pela New York University.

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