
23 fev Estamos presenciando o nascimento de uma moeda?
Afirmar que a tecnologia interfere em todos os aspectos da vida moderna é um inegável clichê, mas não deixa de ser verdade e pode ser representada pelos grupos familiares no whatsapp, pessoas trabalhando remotamente em qualquer lugar – desde que conectadas a internet – , bem como empresas que montam equipes com funcionários localizados em países diferentes com times zones complementares, para sempre manter alguém trabalhando.
Quando se fala em tecnologia e, mais do que isso, em inovação aplicadas ao campo financeiro, muitos ficam com um pé atrás. Assim agem pensando em preservar o dinheiro, tão difícil de poupar e que poderia ser subtraído por meio de um cyber ataque ao sistema bancário, por exemplo.
Por outro lado, evidente que a aplicação da tecnologia já é corrente neste campo, seja para evitar os mencionados ataques, permitir acesso à conta pelos celulares, ou uso de digital como senha bancária.
Na ponta extrema da tecnologia e inovação na esfera financeira está o Bitcoin, a moeda digital mais famosa.
Quando foi criado, seu objetivo declarado foi a de empoderar as pessoas, que poderiam fazer transações diretamente entre comprador e vendedor, sem depender da intermediação bancária. Sem o banco, deveria ser retirada da equação os altos custos da sua operação e a limitação do expediente bancário.
Bitcoin é independente de qualquer Estado, não sendo moeda oficial nem tampouco possuindo qualquer tipo de lastro.
Exposto esse abreviado panorama, parte-se para a questão nodal: por não estar atrelada a um Estado e, consequentemente, não ter lastro em nenhuma moeda tradicional, pode ser considerada dinheiro?
Para fins tributários, a Receita Federal já se manifestou no sentido negativo.
Mas tal regra não tem o condão de encerrar a questão; pelo contrário, apenas revela a necessidade de discutir o assunto.
No Brasil apenas o real é a moeda de curso forçado, isto é, impositivo. Via de consequência, ninguém é obrigado a fazer negócios em Bitcoin.
Porém, aduzir que ser emitida e controlada por um país é essencial para o conceito de moeda nos parece distante da realidade atual. Isso porque dinheiro é baseado na confiança, seja no agente financeiro, seja no país emissor da moeda.
Aliás, o papel moeda é denominado dinheiro fiduciário exatamente por depender da confiança (fidúcia) que as pessoas depositam nele, não porque aquela cédula vale a quantia nela impressa.
Historicamente, este tipo de dinheiro surgiu após o dinheiro mercadoria, como o ouro, prata, que além de serem utilizados como moeda de troca, tinham valor inerente.
E se houver confiança no Bitcoin, por que não seria tido como dinheiro?
Quem é contrário a este “dinheiro” afirma que suas constantes oscilações retiraram a credibilidade que uma moeda exige.
Esta frase está correta em dois pontos: existem oscilações (as vezes abruptas, pois ainda é um mercado pequeno e em formação) e a credibilidade é um fator essencial.
Entretanto, qualquer bem com cotação diária pode sofrer oscilações. Muitas vezes a oscilação do Bitcoin é menor do que de moedas tradicionais.
A Argentina é recente prova disso e se tornou um expoente de crescimento de utilização de moeda virtual. Os portenhos queriam garantir que suas economias não mais sofreriam com as políticas econômicas do governo, que retiraram grande parte do valor da moeda e passaram a manter poupanças em criptodinheiro.
Sobre a credibilidade, é preciso tempo, já que apenas este responderá se a moeda foi aceita ou não. Porém, inegável que esta criptomoeda esteja no caminho adequado, tanto que já ultrapassou o valor do ouro.
Na linha do defendido pelo historiador Niall Ferguson, havendo confiança, independe do seu objeto, pode ser “sobre a prata, sobre a argila, sobre uma tela de cristal líquido. Tudo serve como dinheiro, das conchas lumache das ilhas Maldivas aos imensos discos de pedra das ilhas de Yap, no Pacífico. E agora, ao que parece, o nada pode servir como dinheiro também, nessa era eletrônica.”
Portanto, estamos presenciando o nascimento de nova uma moeda. Desta vez, virtual, globalizada e que não busca substituir a moeda que a antecedeu, mas ser uma alternativa.
¹Niall Ferguson. A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo, tradução Cordelia Magalhaes, São Paulo, Planeta, 2009, p. 33.
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