Bitcoin e o crime: bitcoin é mesmo totalmente anônima?

27 out Bitcoin e o crime: bitcoin é mesmo totalmente anônima?

Recentemente, no intervalo de um treino, um grupo de colegas começou a falar sobre bitcoins e um deles disse que, como as transações eram anônimas, bitcoin é usado apenas por criminosos e para fazer remessas ilegais para o exterior. O resgate em bitcoins pedido por hackers em ataques recentes também reforça essa ideia.

Mas até que ponto isso é verdade? A mala que pegaram com o Rocha Loures não tinha uma chave para uma carteira digital cheia de bitcoins. O bunker do Geddel também não tinha R$51 milhões em bitcoins.

Chaves criptográficas e anonimidade

O bitcoin, na verdade, não é totalmente anônimo, como muita gente acredita. A utilização pelos usuários é feita por meio de chaves criptográficas, em que cada usuário possui um par de chaves: uma pública e outra privada. A chave pública é registrada no blockchain como destinatária ou originadora das transações. A privada é conhecida apenas pelo usuário e permite a autorização das transações pelo dono da carteira.

Para facilitar, dá para comparar esse sistema de chaves com a senha da sua conta bancária ou do seu email: o número da conta ou o endereço do email são públicos e podem ser utilizados por terceiros para enviar transferências para sua ou mensagens para seu email. No entanto, a emissão de remessas ou envio de mensagens pelo dono da conta somente podem ser feitas mediante uma senha.

No caso das chaves criptográficas, existe uma enorme diferença: ninguém faz o controle da veracidade ou autenticidade da sua senha. O provedor do email ou o banco cadastram as senhas de acesso e podem alterá-las ou recuperá-las. Se alguma autoridade obtiver uma ordem judicial, eles também podem enviar informações. Já as chaves criptográficas são geradas aleatoriamente sem o controle de nenhum terceiro.

Para deixar isso mais concreto, uma chave pública tem essa cara:

Já a chave privada – “senha” – não é muito mais simpática:

Em geral não é possível identificar o titular de uma conta bancária apenas olhando o número ou da conta de email apenas pelo endereço do email (ok, estou assumindo que o dono não colocou nome e CPF no endereço de email). A comparação continua válida para o bitcoin. Apenas analisando a chave pública, também não é possível descobrir seu titular. Por isso, as transações com bitcoins não são anônimas, mas realizadas por pseudônimos. Mas isso não significa que seja impossível descobrir quem está por trás delas.

Como descobrir quem é o dono da conta?

Como expliquei no segundo texto desta coluna, todas as transações com bitcoins estão registradas na blockchain e são públicas. Isso tudo significa que é possível identificar todas as movimentações que envolvem a carteira digital vinculada a uma mesma chave pública. Se o dono daquela chave pública a utiliza para comprar e vender drogas, financiar terroristas ou pagar propina a políticos, a questão é provar que ele é o titular daquela carteira.

No entanto, como não existe um terceiro como gatekeeper (o banco ou provedor de email), as autoridades podem ter mais dificuldade de identificar quem é o titular da carteira. No entanto, depois que essa identificação é feita, todo o histórico das transações é público e praticamente imutável.

Como as investigações não podem contar com um terceiro para fornecer informações sobre o titular de uma chave pública, as autoridades precisam utilizar outros métodos, procurar rastros do IP do computador utilizado pela pessoa, comunicações online, enfim, qualquer rastro que ajude a identificar a pessoa.

Também é importante lembrar que, em algum momento, esses usuários que praticam atividades ilícitas precisarão transformar suas moedas digitais em moeda fiduciária (dólar, real, euro, etc.). Neste momento, precisarão de um terceiro para fazer essa conversão, criando uma exposição maior para sua identificação. Neste ponto, a regulação de bolsas e outras empresas que operem com moedas digitais mostra-se relevante, na medida em que tenham que identificar seus clientes e notificar operações suspeitas para as autoridades.

Talvez as moedas digitais não sejam tão anônimas assim e o dinheiro vivo ainda deixe menos rastros… Por isso, muita gente já defende o fim do papel moeda, ou pelo menos das notas de maior valor. Mas melhor deixar esse assunto para outra oportunidade.