
17 dez A moda dos ICO’s : fraude ou uma nova forma de financiar novos negócios?
Um artigo recente da The Economist coloca a questão da seguinte forma: você pode comprar adesão a um sistema de registro (livro razão) de uma nova empresa (start-up), com base em um prospecto não regulado. Isso é feito por meio de um processo de venda de moedas ou tokens* chamado de initial coin offering (ICO). Mas apesar do meio de acesso ao sistema ser chamado de moeda, você não pode gastá-la em nenhuma loja. E, ainda que o nome soe como IPO (initial public offering de ações), a propriedade de uma moeda não te garante participação no capital da empresa. A conclusão da revista é que isso parece o tipo de negócio que atrairia apenas pessoas que respondem a e-mails de príncipes nigerianos oferecendo-se para transferir milhões para sua conta!
Pois é, mas apesar da desconfiança que o esquema todo pode despertar em uma primeira impressão (os casos policiais envolvendo moedas digitais fraudulentas não ajudam), toda semana surgem novos ICO’s e cada vez mais dinheiro circula nessas operações. Em 2017, os valores captados cresceram a cada mês, ultrapassando US$ 3 bilhões até outubro e algumas das maiores vendas de tokens alcançaram os seguintes valores:
- Filecoin (ago/2017): US$ 250 milhões
- Tezos (jul/2017): US$ 232 milhões
- Bancor (jun/2017): US$ 153 milhões
- Status (jun/2017): US$ 100 milhões
- EOS (jun/2017): US$ 185 milhões
Talvez não pareça tanto quando comparado com o IPO anunciado recentemente pela Siemens de sua divisão de soluções médicas, estimado em cerca de 10 bilhões de euros! No entanto, é importante ter em mente que os ICO’s geralmente são feitos para projetos que ainda mal passaram da fase de ideias, muito diferente de uma gigante como a Siemens.
Enfim, nosso ponto com essa rápida introdução era mostrar que ICO’s têm se mostrado uma alternativa cada vez mais utilizada por novas empresas de tecnologia para captar recursos para financiar o início de suas atividades. Porém, isso levanta uma série de questões: isso realmente pode ser feito livremente? Quais os direitos dos investidores? Quem determina como o ICO deve ser feito?
Como funciona um ICO?
De modo bastante geral, um processo de emissão de tokens/coins envolve os seguintes passos:
- 1) Os desenvolvedores do negócio publicam um artigo, normalmente chamado white paper. Alguns desses papers são melhores e outros piores, pois não há regras mínimas sobre como eles devem ser confeccionados. Vejam, por exemplo, o paper que descreve o modelo de negócios da Filecoin aqui.
- 2) Após uma campanha de divulgação, abre-se um prazo para que os interessados comprem as moedas/tokens emitidos. Na maior parte dos projetos, as empresas definem um valor máximo a ser captado.
- 3) Os interessados em participar do ICOs enviam alguma moeda digital para a empresa (como ether ou bitcoin) e, em troca, recebem tokens/moedas do projeto, que permitem ou permitirão a utilização do serviço ou produto que será oferecido.
- 4) Com os recursos obtidos, a empresa inicia ou acelera o desenvolvimento ou de sua plataforma ou a expansão do negócio (dependendo do estágio em que estiver).
- 5) Os adquirentes dos tokens/moedas podem utilizá-los para usufruir os serviços oferecidos ou negociá-los no mercado secundário, ou seja, em bolsas de negociação de moedas digitais que trabalhem com esses tokens/moedas.
Simples, não? Mas não falamos dos problemas ainda. Primeiro, como garantir que, se o negócio não der certo, os clientes receberão seu dinheiro de volta? Ou pior, quem garante que a empresa que emite as moedas ou tokens não vai simplesmente embolsar o dinheiro e desaparecer? Como é de se esperar no mundo das criptomoedas, há uma grande desconfiança de terceiros responsáveis por realizar o controle dos agentes (como uma agência reguladora). A solução, então, é confiança nas pessoas que estão desenvolvendo o projeto (reputação), na estrutura de governança estabelecida e na viabilidade do plano de negócios e tecnologia propostos. Em resumo, o filtro é apenas o bom senso e cuidado dos usuários.
Outra questão é se os reguladores dos mercados (no Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários) concordam com toda essa liberdade. A postura até aqui (dezembro de 2017) tem sido de cautela. Os principais reguladores emitiram notas e comunicados ressaltando os riscos e afirmando que esses ativos podem (mas não necessariamente são) valores mobiliários e, portanto, seriam sujeitos a regulação. Em 4/12/2017, a Securities and Exchange Commission, reguladora do mercado nos Estados Unidos, anunciou as primeiras medidas do órgão contra um ICO’s alegadamente fraudulento. Vamos aguardar os próximos capítulos!
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